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Dados do Projeto

Sala de Apresentação

Sala 1 - Lago dos Tigres

Modalidade

1

Temática

Estado

Rio Grande do Sul

Cidade

Erechim

Descrição da experiência - resumo do projeto

Título Experiência:

DE ARTISTA E LOUCO – GRUPO MULTI-INSTRUMENTISTA E A POSSIBILIDADE DE UMA IDENTIDADE ARTÍSTICA

Apresentação/Introdução:

Esta experiência parte dos vértices existentes entre governo, saúde mental e sociedade – fundamentais para esta experiência. Ainda que cada vez mais populares no campo da saúde mental, os grupos formados nos CAPS ainda permanecem numa espécie de “limbo cultural”, sobretudo da perspectiva de uma leitura cara à luta antimanicomial. A fim de intentar uma breve e incipiente abordagem desses grupos como fenômeno artístico-cultural, este trabalho se voltará para o grupo multi-instrumentista formado por usuários da Saúde Mental de Erechim: esse grupo-música, protagonista da rede psicossocial, e cujos tentáculos ultrapassaram rapidamente quaisquer circunscrições – institucionais, culturais ou geográficas. O objetivo principal, então, será o de refletir sobre o modo pelo qual um artefato destinado a priori apenas ao entretenimento e/ou tratamento acaba por suplantar tal funcionalidade e criar uma imagética identitária em relação aos seus usuários. O caso específico a ser debatido, foi criado em 2021, a partir da integração das oficinas de coral, violão, grupo de tambores e percussão. A fim de entabular a discussão, esta experiência escancara a guinada pragmática e discursiva que ultrapassa qualquer referencial teórico: a identidade artística que se intenta. A experiência retoma alguns dos aspectos mais radicais da Reforma Psiquiátrica e se inscreve nesse delicado espaço de poder e resistência, que marca e separa a saúde e a doença, a loucura e a normalidade, o sujeito e seu outro.

Objetivos

Apresentar um produto musical, para além das considerações de ordem formal e das problematizações que se voltam aos aspectos ditos diagnósticos (ou nosológicos). Em outras palavras, apresentar o grupo musical e multi-instrumentista pela cena artística e cultural, com fim de evidenciar o modo pelo qual os sujeitos são capazes de criar significados a partir daquilo que, explícito ou não, a musicalidade é capaz de fazer ver/crer. • Evidenciar uma primeira abordagem que não toma classicamente o diagnóstico como alguma coisa em lugar de um sujeito, para então, criar, a partir de uma perspectiva cultural um modelo que envolva o sujeito e a cidade • Logicizar e estabelecer neste empreendimento as possibilidades de tratamento para além das categorias diagnósticas e seus significados • Destacar esse movimento como fundamental no campo da Saúde Mental, fazendo notar que nenhum cidadão pode estar completamente “fora” da vida na cidade.

Metodologia

Não obstante sua importância, o método apresentado ressente-se de uma preocupação radicalmente pragmática, que vai caracterizar a lógica estruturante da Reforma Psiquiátrica. Reconhecemos aqui uma “guinada pragmática” que absorve as preocupações com a saúde mental mas abandona os discursos supostamente manicomiais do início do século XX e procura lidar com as dimensões culturais, sociais e políticas do sofrimento psíquico. No interior dessas transformações aparecem justamente as críticas ao modelo manicomial e hospitalar e seus silenciamentos – irrestritos. A partir dessa condição, a proposta é de ampliar o escopo comunicacional, cultural e produzir barulho, música, saúde, vida. Isto posto, passemos ao grupo. Esse grupo musical com instrumentos percussivos, violão, gaita e tambores extrapolou o espaço institucional da saúde mental para apresentações na cena cultural da cidade: as festividades do município, as conferências municipais, restaurantes, bairros, cidade. Todo o processo de criação se dá pela escolha dos artistas, em um exercício radical de autonomia e autoria. Esse movimento envolve fatores psicológicos, sociológicos, institucionais, culturais, sociais. No entanto, aqui será privilegiado seu aspecto identitário, ou seja, a forma pelo qual a música identifica discursivamente e engaja socialmente os sujeitos que se encontram na posição de usuários e, por conseguinte, artistas.

Resultados

Esta plataforma, e sua capacidade de resolução do sempre problemático discurso da “não adesão”, traz nas suas formas uma diferenciação: minimalista, inicia um processo de “amadurecimento”. A discursividade que impregna a materialidade formal aponta para um acontecimento importante: uma nova configuração dos sujeitos, que passam a ser vistos em outra posição, um outro lugar, no protagonismo dos palcos. Nesse novo lugar social, os efeitos apontariam para uma espécie de identidade atravessada pela arte (a identificação com o repertório, a escolha do instrumento, o uso do microfone) caracterizada pela ampliação dos espaços sociais e elevado acesso a bens culturais e, portanto, a criação de uma identidade que poderíamos chamar, para fins terapêuticos ou profanos, artista. Como alternativa identitária nessa discursividade, apresentou-se uma opção supostamente “inovadora”: um modelo voltado à cidade e que não se enquadraria nos estereótipos que guiam as manifestações mais graves do sofrimento mental. Não nos pretendemos exaustivos, dada a rede de discursos e práticas que podem ser levantadas para pensar as relações entre a estética cultural, a política da vida e os enunciados psiquiátricos. De todo modo, ao eleger um grupo de música como força de cuidado defendemos que seu funcionamento materializa um corte e uma inscrição de vida, carregando no bojo uma potência de resistência, e o som das vidas que persistem.

Conclusoes

Por fim, gostaríamos de trazer à tona a relação entre as políticas públicas e a produção normativa de formas de viver, cujo resultado é uma separação entre espécies de vida e modalidades de sujeito, esse jogo onde “sujeitos” não são reconhecíveis como sujeitos e “vidas” que dificilmente são reconhecidas como vidas. Aqui inscrevemos a experiência, a respeito da produção de diferenças no interior da contingência: há vidas, adoecidas, generificadas e racializadas, sobre as quais incide uma maximização da precariedade. No esforço de dar voz a outras formas de subjetividade e segundo a ordem de um tensionamento das narrativas sobre o adoecimento psíquico, colocamos em funcionamento uma rede de possibilidades que, devidamente relidas e colocadas em perspectiva, sugerem tanto a presença obsedante da vida quanto a possibilidade de profanação dos dispositivos sobre os quais a enunciação artística é postulada. A música conta a história marcada nos corpos de mulheres e homens em sofrimento psíquico, apostando numa virada para criar uma espécie de poética artística: sem a pretensão de uma topologia originária, mas de acordo com um espaço ainda em construção, de trocas e de hifenização pelos quais os corpos e as subjetividades podem resistir.